domingo, 29 de março de 2009

Era e não era

Era e não era
no monte da vinha
andava lavrando
com bois que não tinha.
Chegou a notícia
de que o pai morreu
e a mãe ainda não nasceu.
Ficou sem saber
o que fazer...
Pôs os bois às costas
e o arado a comer.
Foi roubar avelãs
veio o dono das maçãs,
atirou-lhe com um pepino
acertou-lhe num artelho
correu o sangue até ao joelho.

Obras de António Mota em "O livro das Lengalengas 1"

sábado, 7 de março de 2009

Perder

Perder é começar. A minha vida
foi movimento em cerne opaco e frígido...
E quando sei que este momento eterno
em mim percorre sulcos, veias, sonhos,
outro momento abraça-me o porvir —
e desconheço a margem onde navegar,
onde aportar o peso do caminho.

Perder é começar. Por isso a ténue sombra
desenha no sigilo os abismais instantes
onde existiu, uma vez, qualquer destino exacto.

António Salvado, in "Na Margem das Horas"